Como você, professor, busca aperfeiçoar a sua prática docente?
Sua resposta provavelmente envolve cursos, conferências e estudos, certo? Durante anos, eu esperei ansiosamente por conferências nacionais onde tinha a oportunidade de ouvir diferentes palestrantes famosos e trocar ideias com outros educadores. Eu voltava para casa com um bloco cheio das anotações que fazia e a intenção de tentar algo novo com os meus alunos. No entanto, uma vez de volta ao trabalho, eram poucas as ideias que eu realmente conseguia trazer para a sala de aula. Talvez porque entrava no turbilhão do dia a dia ou porque não encontrava a oportunidade de rever a minha prática e criar um plano de ação para mudanças. Isso já aconteceu com você também, professor(a)?
Além de cursos e conferências, quantos de nós não aprendemos coisas novas ou refletimos sobre a nossa aula que acabou de acontecer enquanto conversamos com os colegas na sala dos professores? Desinome (2009) nos lembra que a aprendizagem profissional também ocorre durante o ato de ensinar e nas trocas com os colegas.
Você já viveu algo semelhante na sala dos professores? O que você aprendeu com seus colegas?
Quando você vai a conferências ou participa de cursos, como você consegue efetivamente trazer algo do que viu e estudou para a sua sala de aula? Outros autores (Tice, 2004; Zabalza, 2009; Nunes, 2010) defendem a importância da reflexão como propulsora de mudanças positivas na prática do professor.
Tice (2004) nos alerta afirmando que sem dedicar mais tempo à reflexão do que aconteceu em sala de aula, muitas vezes, nós, professores, tendemos a fazer suposições de acordo com o que lembramos da aula. Além disso, comumente notamos os alunos mais participativos e deixamos de perceber as demandas dos outros alunos mais quietos.
Um convite que faço aqui é experimentar gravar a sua aula e se surpreender com os inúmeros detalhes que passaram despercebidos a você durante a aula: padrões recorrentes, uma pergunta não respondida ou até uma oportunidade de aprendizagem não aproveitada.
Já Zabalza (2009) reforça a importância do professor de se utilizar da escrita para refletir sobre suas ações e assim se conscientizar de seus padrões de trabalho.
Escrever sobre a nossa aula, seja relatando o que sua memória te permite ou escrevendo comentários enquanto você assiste à gravação de sua aula, pode enriquecer muito o nosso olhar a respeito do que comumente fazemos em sala de aula e o que podemos mudar.
Mas, como a reflexão pode impactar a prática do professor?
O que você acha? Como acontece esse processo de reflexão sobre a experiência? Um modelo conceitual que explica esse processo é o modelo de Aprendizagem Experiencial desenvolvido por Kolb (1984) muito revisitado hoje em dia. É um modelo que representa como as pessoas aprendem a partir de suas próprias experiências.
Trazendo para a prática docente e partindo de uma experiência concreta de tentativa de integração de tecnologia em sala de aula, tentarei exemplificar a seguir as etapas descritas por Kolb (1984).
Experiência Concreta: Eu propus o uso do celular para uma atividade com meus alunos e eles não se mostraram engajados.
Observação + Reflexão: Os alunos gostam muito do uso do celular para uso pessoal, mas a atividade com o celular não gerou os resultados que eu esperava. O que está dando errado? Qual é o problema?
Conceituação Abstrata: Talvez eu tenha que explicar melhor o propósito da atividade. Vou pesquisar sobre a integração de tecnologias em sala de aula e trocar ideias com minha colega que é expert na área de Edtech.
Experimentação Ativa: Pelo que aprendi, primeiro tenho que ter em mente os objetivos de aprendizagem e depois ver se a tecnologia se aplica a esse propósito pedagógico. Alterei meu plano de aula e vamos tentar de novo para ver se agora a atividade dá certo.
Em minhas próprias palavras, o ciclo experiencial de Kolb retrata como a reflexão sobre uma experiência vivida, a busca por uma resposta e uma nova ação podem gerar aprendizados não só para os alunos, mas para a prática do professor. De uma maneira sistematizada, o foco se desloca da teoria para a valorização do conhecimento que pode surgir a partir da prática e da reflexão sobre esta prática (SCHON, 2000).
SIM, podemos aprender muito observando, com um certo distanciamento, a nossa própria prática.
E como podemos começar esse processo de autorreflexão? Aqui vão algumas possibilidades:
- Reserve um espaço no seu plano de aula para fazer uma breve autorreflexão do que gostou e não gostou da sua aula, se possível, no mesmo dia em que a aula aconteceu. E releia as anotações de tempos em tempos. Aqui podem surgir muitas inspirações para mudanças.
- Assista a aula de um colega que está ensinando o mesmo conteúdo que você e faça anotações sobre o que percebeu e os insights que tem sobre sua própria aula. Podemos aprender muito assistindo os nossos colegas, mesmo que o conteúdo não seja o mesmo.
- Peça a um colega para assistir a sua aula e depois troque ideias com ele/ela. O olhar do outro pode nos ensinar MUITO.
- Peça feedback aos seus alunos com frequência. Quanto mais frequente essa prática se dá e se eles perceberem que você valoriza o que eles dizem, você terá uma ferramenta poderosa para a autorreflexão.
- Finalmente, que tal convidar um professor experiente ou um mentor externo para assistir a sua aula ou à gravação da sua aula? Muitas vezes um par experiente pode nos indicar caminhos que talvez sozinhos não conseguimos visualizar.
A autorreflexão pode nos ensinar muito, no entanto, não posso terminar essa postagem sem reforçar que a reflexão atrelada ao aprofundamento pedagógico é o cenário ideal para o desenvolvimento docente. Termino, então, com um convite para que possamos OBSERVAR, ANALISAR, REFLETIR, ESTUDAR e AGIR em nossa prática docente como um ciclo de desenvolvimento constante.
Texto por Ana Maria Menezes, Head de Conteúdo na Kanttum.
Referências:
- DESIMONE, Laura M. Improving impact studies of teachers’ professional development: Toward better conceptualizations and measures. Educational researcher, v. 38, n. 3, p. 181-199, 2009.
- DORIGON, Thaisa Camargo; ROMANOWSKI, Joana Paulin. A reflexão em Dewey e Schön. Revista Intersaberes, v. 3, n. 5, p. 8-22, 2012.
- KOLB DAVID, A. Experiential learning: experience as the source of learning and development. Englewood Cliffs, NJ, 1984.
- NUNES, Leonel Jorge Ribeiro. A reflexão na prática docente: alguns limites para a sua efectivação. O caso da informática na educação. Revista Iberoamericana de Educación, v. 29, n. 1, p. 1-8, 2002.
- SCHON, D. Educando o Profissional Reflexivo: um novo design para o ensino e aprendizagem. Trad. Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.TICE, Julie. Reflective teaching: exploring our own practice. https://www.teachingenglish.org.uk/article/reflective-teaching-exploring-our-own-classroom-practice. Acesso em 09/04/2019
- ZABALZA, Miguel A. Diários de Aula: Um instrumento. Artmed Editora, 2009.